27.3.12

Miraflor

Na reserva natural de Miraflor, no norte de Nicarágua, ficamos com uma família da comunidade de Sontule. São plantadores de café biológico, pequenos produtores organizados numa cooperativa. (mais info aqui)
O pai da família Don Adolfo, conta-nos um pouco da sua história que está ligada á história da Nicarágua. Este país viveu, tal como Portugal, mais de 40 anos debaixo de ditadura. A ditadura da família Somoza protegia os seus próprios interesses e a elite latifundiária. Adolfo conta-nos que não pude gozar a sua juventude. Sem direito a estudar e perseguidos pela Guarda Nacional, polícia da ditadura, os jovens decidiram pegar em armas para pôr fim à opressão. A revolução aconteceu em 1979 mas a contra-revolução, apoiada pelos EUA e as suas ideias anti-comunistas, provocou uma guerra civil que durou mais de 10 anos. Adolfo lutou pela liberdade durante esse tempo.
Após a revolução, os latifundiários fugiram do país e o governo entregou as terras ao camponeses. Cada um ficou com a sua parcela, mas a com contra partida que trabalhassem em cooperativas. Doña Marta, a mãe da família, conta-nos que nos anos 80 receberam equipas da Alemanha, Holanda e Inglaterra para ajudar nas colheitas de café. Desde então a cooperação internacional tem se mantido. E esta comunidade tem-se desenvolvido com o selo do comércio justo e café biológico.
Finalmente posso ver que o comércio justo não trata de melhorar individualmente a vida dos pequenos produtores mas de promover a educação, a igualdade de género e o bem-estar da comunidade em geral. Com os prémios que recebem do comércio justo conseguiram material escolar, melhorar o centro médico, comprar uma carrinha para uso da comunidade, o que é bastante importante num lugar tão remoto como este. Só há 1 autocarro que vai de manhã e regressa à tarde da cidade mais próxima - Esteli.
Apesar de tudo, a comunidade está longe de ter um nível de vida cómodo aos olhos ocidentais. O café dá para viver 3 meses do ano, 6 se a colheita for muito boa. As casas não estão ligadas à rede eléctrica. Têm painéis solares, o suficiente para luz, um rádio e uma pequena TV a preto e branco. Mas Adolfo diz: "não queremos estar ligados à rede nacional de electricidade, isso implica cortar muitas árvores e isso é o que não queremos." Conscientes da riqueza natural do sítio onde vivem, querem preservá-la através da agricultura biológica. O próximo projecto será apicultura, querem ter outra fonte de rendimento extra para poder manter os filhos na universidade.
O Eric pergunta a Adolfo como é que conseguem conviver com as pessoas com as quais travaram uma guerra? Ele diz-nos que tiveram de esquecer o ódio e perdoar "Não queríamos que os nossos filhos crescessem com ódio aos filhos deles, nem o contrário." Uma lição para o mundo!
Estou a aprender tanto aqui. Estou a aprender que com pouco se pode fazer muito. Estas famílias são um exemplo de solidariedade e generosidade, percebem que o bem comum é mais importante que o bem individual.
Don Adolfo mostra-nos as montanhas de Miraflor.

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